quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Recato.

Recatada até o último fio de cabelo. E hoje em dia ainda é difícil de se ver uma garota assim. Nem era tão bela e possuía traços orientais, os dentes não eram tão bem cuidados mas mantinha uma doçura no olhar, que fisgava corações, mas só corações. Como era recatada não se dava ao desleixo de receber um beijo no rosto, nem mesmo nas mãos. Como disse antes, recatada até o último fio de cabelo. Aquela mulher que todo homem gostaria de ter, pois não lhe daria o mínimo trabalho de lhe por um par de chifres a qualquer hora.
Um dia em um encontro de família um distante primo veio lhe cumprimentar com um beijo, ela apenas virou o rosto e fez um sinal de negativo com as duas mãos, como um sinal de repulsão. Não queria o cumprimento.
Certo dia, em uma dessas festas de casamento um convidado ficou indignado com essa reação e resolveu ser mais bruto com a reação. Forçou-lhe um beijo nos lábios, bruscamente. Ela então correu até o bolo do casamento, como se estivesse correndo para a fuga de um quarto em chamas, agarrou a faca que estava em cima da mesa e logo depois correu em direção ao rapaz que tentara lhe agarrar anteriormente, com a fúria nos olhos, os dentes não tão belos cerrando ao caminho enquanto corria. Esfaqueou o coitado até não haver mais sangue a ser despejado pela verde grama do jardim. Depois de dez anos de prisão voltou à vida e viu que nada era tão doce assim, a vida não poderia ser levada daquele jeito. Prostituíra-se então pelas ruas escuras de sua cidade, sujeita não só a beijos maliciosos e ardentes como também outras coisas mais. E fizera isso não por necessidade, mas para se tornar mais real, menos racatada, como pagando por um bom tempo que passou sendo assim, recatada demais, como se quisesse recuperar o tempo perdido.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Conto NERVOSO de Natal

A ceia de natal estava feliz como em tantos outros anos passados. Mas algo incomodava demais Jefferson, o filho mais novo da família. Ele sentia ânsia de vômito só de ver enfeites de natal, comer peru, chester ou tender então... nem pensar. Todo natal ele comia pizza, pedida um dia antes para não ter o problema de não achar nenhuma pizzaria aberta. E assim caminhava o dia de natal. Seus primos do interior invadiam seu quarto, bisbilhotando todas as gavetas. Sua avó paterna reclamava do som alto na sala e até do pisca-pisca da árvore de natal que ofuscava sua vista enquanto ela tentava assistir a novela. As criancinhas da família que se divertiam, correndo de um lado para o outro, rabiscando paredes e tentando alcançar os doces em cima da mesa de jantar. Jefferson assistindo aquilo foi sendo tomado por uma raiva tremenda enquanto comia seu último pedaço de pizza. Jefferson adorava pizza e era um tanto quanto gordinho, sua mãe diz que suas bochechas eram grandes e rosadas pois quando pequeno todas as mulheres que passavam por ele apertavam suas bochechas. Da rua podia se ouvir o barulho dos fogos de artíficio vindo da casa de Jefferson. O que não sabiam é que seus primos haviam achado uma metralhadora em seu quarto.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Casais.

Gislene. Empregada doméstica em uma casa nobre na zona sul de São Paulo. Fugia das diretas e indiretas do filho de seu patrão, Ricardo. De quem engravidou, e Ricardinho, lógico, não gostou nada da idéia, muito menos quando sua família ficou sabendo. A família de Ricardo então, mandou Gislene embora, com uma indenizaçãozinha para ela não enxer o saco. Anos depois Ricardo muito mais maduro constituiu uma família feliz, tinha um filho, Guilherme. Gislene, decaiu. Virou prostituta e continuava morando em seu barraco em uma favela da mesma zona sul. Seu filho, Anderson, que nunca soube quem era seu pai, virou traficante. Em uma nada bela noite de julho resolveu fazer um assalto para dar um upgrade na renda familiar.
Tiros, berros e sangue e lá estava Guilherme estirado no chão, após reagir a um assalto em frente a uma badalada casa noturna de São Paulo.

Vidas que deram certo.

João Jorge era um típico garoto desacreditado. Tanto pela família quanto pelos amigos, que eram amigos de verdade pois não era fácil aguentar JJ. JJ vivia dizendo de como sua vida seria fria, triste e sem graça. Vivia também planejando e contando a seus amigos como seria o dia de seu suicídio, coisa mórbida, coisa que seus amigos não gostavam muito de ouvir. E nessa coisa de lamentar seu futuro, JJ ia aproveitando seu presente. Nunca deixou de viver um dia sequer. Por incrível que pareça, JJ não curtia drogas, e nem mesmo bebia um gole de vinho. Já seus amigos enchiam a cara e zombavam da cara de JJ. Anos depois todos amigos de JJ morreram, uns em acidentes de carro, outros de overdos e outros cometeram suicídio. João Jorge? Bem, hoje ele é normal, se casou, tem duas filhas lindas e é empresário do ramo de cosméticos.

Sempre, de pé.

Cinco horas da manhã, e ele bota a água para ferver. Espera que o café o mantenha acordado, e espera também que o café não fique horrível. Ele nunca fez café na vida. O cachorro chora lá fora, e ele nem sabe o motivo, mas deve ser frescura. Clipes e mais clipes passam na televisão, a essa hora é ótimo para se descobrir novas bandas.
Na cabeça, a certeza de que o novo dia será igual a todos outros, no coração aquela esperança de que aquele dia algo diferente aconteça, algo que marque o dia. É isso que sempre esperamos, um dia que marque nossas vidas, vários deles. E a água ainda nem é capaz de esquentar. Ele não para de se perguntar o que pode fazer para o novo dia ser diferente. Tentar, é o que ele mesmo responde. E lembrar também que devemos nos manter "em pé" até o final, do dia ou da vida, tanto faz. Ele quer ser enterrado em pé.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Vidas que não deram certo

E todo aquele quebra-pau. Quem ouvia de fora achava que algo realmente horrível estava acontecendo, e de fato estava. Heloísa, discutindo mais uma vez com seu filho Vando.
- Me respeita seu moleque! - berrava com ódio nos olhos, espumando ódio, enquanto chutava a mesa de seu filho. Ela era só grito e ele só silêncio, o silêncio de quem estava errado, ora bolas, como pode dar um tapa na cara da mãe daquele jeito? - eu te avisei que se você aprontasse de novo te mandaria para fora de casa, saia já daqui! - completava em berros.
Vando não pegou nada, apenas abriu a porta e saiu caminhando sem saber muito bem para onde, enquanto sua mãe ainda vomitava palavras de ódio.
Passam algumas horas e Heloísa liga para sua amiga.
-Você não sabe, ainda quebrei aquela mesa dele com um chute só, me deu um aperto no coração, nem terminei de pagar!
Mas ela nem se importava com o destino de seu filho, Vando, de apenas seis anos de idade, que soubera depois foi morar com o pai lá no nordeste.

A Peluda.

Desde pequena era acusada de ser peluda. É, peluda. Desde os 5 anos de idade já possuía mais pelos no braço do que um rapaz de 16 anos poderia sonhar. E assim sempre era chamada, a peluda. Ela já nem ligava mais para as provocações, mas isso a machucava, não gostava de ser olhada daquela maneira quando ia à padaria, os clientes diziam a seus pais "tire esta criança daqui, que está a me dar nojo", e seus pais, sempre traumatizados procuravam algum meio de melhorar isso. Já perto de fazer 15 anos, ela fez um pedido aos pais, queria no dia de seu aniversário de 15 anos aparecer linda e sem pêlos por todo o corpo. Seus pais então lhe concederam esse pedido, uma semana antes a levaram para uma clínica especializada no assunto, onde até os médicos ficaram preocupados, abismados com a situação da garota. Já tinham visto algo parecido, mas igual, nunca. Enfim conseguiram deixar a garota com a pele em boa aparência sem pêlos, podia até se ver agora que o tom de sua pele era mais claro do que o imaginado.

A festa

Quando apareceu em sua festa, era lindo o vestido branco, os garotos que antes a zombavam estava até assim, meio sem graça. A devoravam com os olhos, perceberam até o seu decote, que mesmo com 15 anos já era de respeito. A festa acompanhava seu destino comum, o final. As músicas, os amigos, a família. O som era o brindar dos copos, a família brindava de meia em meia-hora, brindando a vitória, de transformar aquele dia em um dia especial para a filha. Tudo seguia em ordem, para a meia-noite estava marcada a valsa. Ninguém percebia mas durante a festa seu corpo estava sendo novamente coberto por pêlos. No primeiro acorde de sua valsa a peluda deu um grito de dor, caindo ao chão e sua boca sengrava. Havia em meio aos seus dentes um dedo. É, um dedo, ora bolas! Peluda estava devorando um dedo, como se devoravasse uma asa de frango. E quando levantou os olhos podiam vê-los vermelhos e seus dentes afiados, algo parecido realmente com um lobisomem, ou "lobislher". Desde então nunca mais ninguém entrou naquele buffet abandonado na Av. Joaquim Almeida, 66. Dizem que é mal assombrado pelas almas de todos os convidados daquela festa de 15 anos que foram devorados por um animal peludo qualquer.